Na semana passada, o Brasil superou os EUA em número de pessoas vacinadas, mesmo com um presidente negacionista, que boicotou a compra de vacinas e agiu descaradamente a favor do vírus durante toda a pandemia.
Em declarações recentes, o ministro da saúde, Marcelo Queiroga, o quarto a assumir a pasta desde o começo da pandemia, mudou o tom. Agora, o ministro ensaia uma tímida campanha a favor da vacinação e garante que as negociações para a compra das doses de reforço com a farmacêutica Pfizer – aquela que foi ignorada dezenas de vezes pelo governo – estão praticamente fechadas.
São Paulo, o estado mais populoso do Brasil com 44 milhões de habitantes, alcançou a surpreendente marca de 90% da população vacinada e chegou a registrar um dia sem nenhuma morte pela doença.
É fato que o governador João Dória (PSDB) foi o principal responsável pela vacinação em massa no estado, ainda que a motivação possa ter sido a disputa política com Jair Bolsonaro.
O Brasil, então, passou de epicentro do coronavírus a um país com potencial controle da pandemia.
Com 60% de vacinados e o verão chegando, a tendência de queda no número de mortes nos próximos meses não está garantida. Especialistas consideram que o relaxamento das medidas protetivas começou cedo demais. Os números da pandemia tendem a se comportar de maneira similar à de outros países populosos, com a diferença de que, no hemisfério sul, as ondas chegam com semanas ou meses de atraso.
Já na Europa, o problema é presente e imediato.
O governo austríaco decretou na última sexta-feira (19) lockdown para toda a população do país. Na semana passada, o governo já havia determinado que os não-vacinados só poderiam sair de casa para trabalhar, ir ao supermercado ou a hospitais. Agora, os quase 9 milhões de habitantes devem ficar confinados pelos próximos 20 dias, e a vacinação passa a ser obrigatória a partir de fevereiro de 2022.
Já a Alemanha cogita o lockdown parcial, tanto para vacinados quanto para não-vacinados, de acordo com as regiões mais afetadas.
O porta-voz do governo francês, Gabriel Attal, se referiu como “vertiginosa” a quinta onda da pandemia no país. A média do número de contaminados no Hexágono dobrou nesta última semana.
Romênia e Ucrânia têm apenas 28% e 23% dos habitantes totalmente imunizados, respectivamente.
Por que a Europa ainda tem índices de vacinação considerados baixos?
Os motivos para a vacinação na Europa não ser satisfatória são variados.
Um deles é a falta de vacinas; outro motivo é a má vontade dos governos em impor medidas restritivas. Os países mais pobres do continente, como Moldávia, Ucrânia e Geórgia, têm uma “falha moral catastrófica”, nas palavras do Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom.
Contudo, em potências como Alemanha e França, apesar dos apelos do governo e da disponibilidade de vacinas, o número de vacinados deixa a desejar. A explicação pode estar na mentalidade de uma parte da sociedade europeia.
O escritor e doutor em Ética e Filosofia Política, Douglas Rodrigues Barros, descreveu nas redes sociais este fenômeno como “racialismo do colonizador” para explicar o comportamento de brasileiros que também resistem à vacina, os “colonizados”.
Uma vez que ainda há pessoas resistentes à vacina no Brasil, a conclusão de Rodrigues Barros parece coerente com o famoso “complexo de vira-lata”: termo usado para se referir aos brasileiros que se apoiam em ideais estrangeiros.
Se Bolsonaro – mesmo tendo declarado que não vai se vacinar – ostenta quase 30% das intenções de votos para as eleições do ano que vem, nada menos espantoso que seus apoiadores autodenominados “patriotas” sejam os “vira-latas colonizados”.
Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo.
Nelson Rodrigues, 1958
Para que a covid19 não alcance com força o Brasil em 2022, um ano de copa do mundo, eleições e carnaval confirmado, resta apostar no que já funcionou: vacinação em massa, Sistema Único de Saúde (SUS) e o calor do verão.