Por Tiago Oliveira Dias, para a Politize!
Vamos direto ao ponto: os bancos podem tomar imóveis de devedores?
Na prática, sim, os bancos podem tomar imóveis de devedores quando ficam inadimplentes das parcelas do financiamento. Na teoria, os bancos não “tomam” o imóvel: é que durante a vigência do contrato de crédito imobiliário, o banco é o proprietário do imóvel “no papel”.
Sendo assim, o banco não “toma” um imóvel, pois já é dele. Desta forma, a instituição financeira pode iniciar o procedimento de “reintegração da posse”.
Os financiamentos imobiliários são regidos por leis específicas. Neste artigo, a Politize! te conta em detalhes as principais situações que levam os bancos a tomarem imóveis de devedores.
Outras dúvidas que iremos esclarecer incluem quais leis embasam a apropriação de um imóvel pelos bancos, dispensando até mesmo ordens judiciais, no caso dos financiamentos imobiliários na modalidade de alienação fiduciária.
Vamos ser claros: as leis facilitam a retomada de imóveis de devedores pelos bancos. Neste artigo, mostramos a você o que deve ser considerado antes, durante e depois da contratação de um financiamento imobiliário. Vale tudo para evitar a temida consolidação do imóvel ao patrimônio do banco.
Mas o que é a consolidação do imóvel? Para chegarmos lá, primeiro, vamos te explicar como funciona o mecanismo da alienação fiduciária.
O que é a alienação fiduciária?
A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia utilizada em financiamentos, e, na prática, funciona assim: ao contratar um empréstimo para comprar um imóvel, o comprador transfere a propriedade do bem para o credor (banco) como garantia do pagamento da dívida.
Ou seja, o imóvel que você está comprando fica em nome do banco até que todas as obrigações financeiras sejam integralmente pagas.
No Brasil, a retomada de um imóvel pelos bancos nos contratos de alienação fiduciária segue um processo legal específico, regulamentado pela Lei nº 9.514/1997, e modificado pela Lei 14.711/2023, conhecida como o Marco Legal das Garantias.
Nesse tipo de contrato, quem compra mantém a posse e o direito de uso do imóvel, mas a propriedade é transferida para o banco. A propriedade do imóvel somente é transferida de volta para quem o comprou após o pagamento total do empréstimo.
Pode parecer contraditório, mas isso quer dizer que a pessoa que financia um imóvel na modalidade de alienação fiduciária é sim a dona do imóvel, mas não é a proprietária.
Quais condições podem levar um banco a tomar imóveis de devedores?
Quando clientes de financiamento imobiliário ficam inadimplentes, os bancos podem iniciar o processo de retomada de um imóvel.
Para evitar prejuízos, os bancos contam com um arsenal de procedimentos extrajudiciais para reaver o dinheiro emprestado. Esse verdadeiro arcabouço legal geralmente evita uma ação judicial, garantindo agilidade para o banco executar a garantia do empréstimo.
Vamos detalhar mais adiante o que acontece quando um contrato de crédito imobiliário fica em atraso.
Visão geral do processo de retomada de imóveis de devedores pelos bancos
A retomada de imóveis de devedores pelos bancos, na alienação fiduciária, é tecnicamente chamada de consolidação da propriedade pelo credor e pode terminar no Poder Judiciário, se o banco entrar com uma ação de reintegração de posse.
Na lei que rege as alienações fiduciárias, a retomada pode iniciar no primeiro dia de atraso no pagamento das parcelas do financiamento imobiliário. Mas não é bem assim que funciona na prática. De acordo com as instituições consultadas para este artigo, o processo é basicamente dividido em quatro fases.
Vamos a elas:
1 – Inadimplência
É a fase inicial que desencadeia o processo de retomada. Quando o devedor deixa de pagar as prestações do financiamento conforme o contrato firmado com o banco, ocorre a inadimplência.
Esta fase pode durar até 90 dias, já que os bancos costumam aguardar até três prestações atrasadas para encaminhar a notificação final ao devedor.
Neste período de 90 dias de inadimplência, o devedor ainda pode negociar as parcelas em atraso para regularizar o contrato diretamente com a instituição financeira, sem desencadear a retomada de imóveis de devedores.
Uma coisa é certa: os bancos não são imobiliárias. Ao contrário do que possa parecer, as instituições financeiras preferem que você acerte as contas ao invés de tomar o seu imóvel.
Portanto, esta é a fase em que o devedor pode tentar negociar a regularização com condições diferenciadas. Por exemplo, alguns contratos imobiliários preveem a possibilidade de incorporação das parcelas em atraso ao saldo devedor. Pode haver também a possibilidade de pular uma ou duas parcelas futuras.
Lembramos que cada contrato e cada instituição bancária pode ter suas próprias políticas nesta fase. Nesta lógica incerta, que depende dos humores do mercado financeiro e do ambiente econômico do País, é sempre melhor não deixar atrasar.
2 – Notificação final ao devedor
Após 90 dias de tentativas de reaver o valor das parcelas, o banco avisa ao cartório de imóveis a intenção de consolidar a propriedade em seu nome.
Ou seja, o banco pede ao cartório que a matrícula do imóvel seja atualizada para que a propriedade formal do banco seja registrada no documento do imóvel. Desta forma, o banco poderá reivindicar a reintegração da posse do imóvel e, posteriormente, negociá-lo em um leilão.
O cartório de imóveis notifica formalmente o devedor de que vai dar início ao processo de consolidação da propriedade em nome do banco caso a dívida não seja regularizada e, nesse caso, o devedor possui 15 dias para deixar imóvel, caso o esteja ocupando.
Conforme o parágrafo 1º do artigo 26 da Lei 14.711, esta notificação dá 15 dias para o devedor “regularizar a prestação vencida e aquelas que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive os tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel e as despesas de cobrança e de intimação”.
Nesta fase, o devedor ainda pode acertar as parcelas em atraso com o cartório e evitar a retomada. Porém, como o Marco Legal das Garantias pontua, chegar nesta fase encarece ainda mais a dívida, pois as despesas de cobrança do cartório não são nada desprezíveis e são somadas às parcelas em atraso.
Além disso, os cartórios costumam ser menos flexíveis do que os bancos.
Importante: caso o cartório não consiga localizar o devedor, a notificação é publicada “em jornal de grande circulação local”, dando a notificação como recebida pelo devedor.
3 – Leilão extrajudicial
Se o devedor não regularizar a situação no prazo estabelecido na notificação final, o cartório de imóveis pode consolidar a propriedade em nome do banco. A partir da consolidação, o banco tem 60 dias para iniciar os procedimentos de leilão extrajudicial do imóvel.
Os leilões de imóveis de devedores são realizados por leiloeiros credenciados, que devem anunciar publicamente o leilão do imóvel, publicando o edital em meios de comunicação de grande audiência.
Primeiro, o imóvel é anunciado pelo valor “cheio”. Significa que o Imóvel avaliado em R$ 500.000 tem lance mínimo de R$ 500.000. Esta fase é chamada de Primeira Praça.
Não havendo interessados em adquirir o imóvel neste valor, é feita uma nova tentativa, chamada de Segunda Praça, que ocorre de 10 a 20 dias após a Primeira Praça.
Na Segunda Praça, se o valor da dívida é de R$ 300.000 e as despesas do processo somam R$ 20.000, o lance mínimo pode ser definido em R$ 320.000, desde que cubra a dívida e as despesas.
4 – Arrematação e posse do imóvel pelo arrematante
O imóvel é arrematado por quem oferecer o maior lance no leilão. O valor arrecadado é usado para quitar as dívidas pendentes do financiamento. Se houver saldo remanescente após quitar as dívidas, ele é devolvido ao devedor.
A posse do imóvel pelo arrematante ocorre após a arrematação. Assim que é confirmado o pagamento do lance no leilão, o arrematante obtém a posse do imóvel e pode tomar as providências necessárias para assumir a propriedade.
O que acontece se o devedor se recusar a sair do imóvel?
Se a pessoa devedora se recusar a sair do imóvel, tanto o banco quanto o arrematante podem recorrer ao Poder Judiciário para solicitar a desocupação. Nesse caso, o banco ou o arrematante moverá uma ação de reintegração de posse, buscando uma decisão judicial que determine a desocupação do imóvel pelo ocupante.
O processo de reintegração de posse envolve a apresentação de provas da propriedade do imóvel pelo banco, bem como evidências da inadimplência.
Se a ação for julgada procedente pelo tribunal, será emitido um mandado de reintegração de posse, que autoriza oficialmente o banco a retomar a posse do imóvel e a remover o ocupante, se necessário, com o auxílio de autoridades policiais.
É importante ressaltar que o processo de reintegração de posse deve respeitar os direitos legais do ocupante, garantindo o direito à ampla defesa e ao contraditório.
No entanto, caso o ocupante permaneça no imóvel após a decisão judicial favorável ao banco, as autoridades policiais podem ser acionadas para executar o mandado de reintegração de posse e garantir a desocupação do imóvel.
Quais os direitos do devedor e as possíveis defesas contra a retomada do imóvel pelo banco?
Existem algumas possibilidades de defesa contra a retomada de imóveis de devedores pelos bancos. Elas podem depender da fase em que o processo da retomada se encontra, e também das evidências de falhas processuais que podem ocorrer ao longo do procedimento extrajudicial.
Porém, há uma decisão do STF, de 2023, que reitera a tomada de imóveis pelos bancos na alienação fiduciária.
Estes são alguns exemplos de possíveis defesas que podem ser alegadas judicialmente na alienação fiduciária:
Alegação de Inadimplemento Parcial e Negociação
Em alguns casos, devedores podem tentar negociar com o banco com intermédio do Poder Judiciário, alegando dificuldades financeiras temporárias e propondo um plano de pagamento.
Falhas Processuais
O mutuário pode alegar que o banco não cumpriu corretamente os procedimentos exigidos pela lei, como a notificação adequada.
Quais os impactos da retomada de um imóvel na vida financeira do devedor?
Os impactos da retomada do imóvel na vida financeira de devedores são variados. Podemos imaginar que uma pessoa que deixa de pagar o financiamento imobiliário já pode estar enfrentando problemas financeiros.
Cada fase da retomada do imóvel provoca impactos distintos na vida financeira do devedor. A primeira fase consiste basicamente em ligações, e-mails e correspondências de cobrança do banco.
A segunda fase da cobrança ocorre por intermédio do cartório de imóveis, e pode acarretar registro de protesto das parcelas em atraso.
Os protestos “negativam” o CPF do devedor na Serasa, dificultando a concessão de novos créditos por outras instituições ao devedor.
Caso o imóvel vá a leilão, o valor do lance mínimo deverá cobrir o valor integral da dívida mais as despesas de cobrança.
Isso significa que, neste ponto, o devedor fica sem o imóvel, mas também fica sem as dívidas relacionadas a multas, juros, despesas de cartório e comissão do pregoeiro.
Poderá ainda sobrar uma espécie de “troco” de volta para o devedor após o dinheiro do leilão saldar todas as dívidas.
Porém, além de todas as desvantagens já descritas sobre o processo de retomada de imóveis de devedores, o leilão pode arrecadar um valor inferior ao valor de mercado do imóvel.
Deste modo, caso o devedor tenha investido valores na entrada, como o FGTS, e tenha pago muitas parcelas do financiamento, o prejuízo financeiro pode ser significativo na vida financeira do devedor.
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