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Para bilionário Michael Bloomberg, Brasil já foi um país socialista

Declaração do ex-prefeito de Nova York e bilionário norte-americano foi na ExpertXP, um evento online da corretora XP Investimentos.

O socialismo não funcionou em nenhum lugar que eu conheço. Se você olhar o Brasil, a Venezuela, até mesmo a Argentina… nenhum desses países está em boa forma

Michael Bloomberg, bilionário, filantropo e ex-prefeito de Nova York, no ExpertXP 2021

A declaração pode não surpreender a direita trumpista norte-americana ou o bolsonarismo: ambos acusam o bilionário Michael Bloomberg de fazer parte de uma grande trama comunista internacional.

Mas se um ‘comunista’ dá a entender com naturalidade que houve socialismo no Brasil, então ele certamente entende do que está falando. A declaração, dentro deste viés de confirmação, pode ser interpretada como uma ‘confissão’ da teoria importada das prévias democratas, que escancararam os negócios milionários de Bloomberg com a China.

Site de extrema-direita trumpista alimenta teorias da conspiração sobre Bloomberg

Bloomberg não é o único a ‘se enganar’ ao misturar governos populares de esquerda democraticamente eleitos, como nos casos do Brasil e da Argentina, de ditaduras como a cubana e a venezuelana.

Por desconhecimento, ato falho ou de caso pensado, a frase incorreta sobre o Brasil parece não ter causado estranheza alguma, nem no entrevistador, nem na audiência.

O fato de Bloomberg ter negócios milionários com a China expressa mais que a China tem um modelo capitalista estatal do que a possibilidade de Bloomberg ser comunista.

Outro detalhe que chamou a atenção foi que o bilionário parece ter topado participar de um evento voltado para o público brasileiro sem ao menos conhecer superficialmente a História recente do País – ao contrário da também democrata Hillary Clinton, que demonstrou bom humor e conexão com demandas relevantes.

De acordo com a historiografia consultada por Vida Indigital, nem mesmo em 1964, ano do golpe militar, havia no Brasil a iminência real de algo que chegasse perto de uma insurgência socialista ou comunista.

‘Descolamento’ histórico

A fala de Michael Bloomberg não foi a única inverdade descolada da História ou da realidade brasileira.

Com patrocínio de múltiplos bancos nacionais e internacionais, o ExpertXP reuniu nomes dos PIBs brasileiro e mundial com autoridades públicas locais e mundiais.

Serviu para mostrar algumas das ‘caras’ dos grupos dominantes que estão no comando deste ‘universo’ de pessoas que têm dinheiro para investir, que pretensamente entendem de expansão de patrimônio e têm como produto a própria história de construção de riqueza.

O autointitulado “maior evento de investimento do mundo” ocorreu na semana passada, em um ambiente virtual desenvolvido para a XP Investimentos especialmente para o evento.

Enquanto na Esplanada dos Ministérios em Brasília mais de seis mil indígenas defendiam a própria pele contra uma gambiarra jurídica que homens brancos batizaram de ‘marco temporal’, os presidentes dos poderes Legislativo e Judiciário – entre outros membros do governo – prometiam mundos e fundos ao andar de cima, e garantiam que o Brasil tem uma democracia forte e pujante, em clima de ‘o Brasil é maior que o abismo‘.

A gente entende que o mercado vive de projeções, de teses, de especulações, mas é muito importante que o mercado financeiro esteja conectado com a realidade do que está acontecendo e o que acontece, não só com as possibilidades do que pode acontecer“, diz Arthur Lira, defendendo o Congresso já em sua fala introdutória antes de ser questionado.

Embora a gente perca um pouco a paciência com as especulações, ficamos tristes com algumas projeções, mas é da natureza, a gente sabe e tem que respeitar, todo mundo no seu quadrado“, seguiu ele, como se os indicadores de futuros de juros, inflação e os arroubos golpistas do Planalto não existissem.

20 milhões de brasileiros saem de casa sem saber se vão ter o que comer“, disse Lira, mostrando solidariedade aos famintos mas ignorando o déficit habitacional embutido na própria fala.

O mercado financeiro pode ter perdido uma oportunidade de se mostrar mais consciente. Não apenas da extensão do estrago que o negacionismo estatal representa para o próprio capitalismo, ou o autoritarismo que acoberta investigações de atividades suspeitas, chamado por Artur Lira de mares revoltos.

Nada disso faz parte do pacato mundo visto da XP Village.

O presidente da Câmara conseguiu mostrar que domina o embromation fluentemente, pelo menos pareceu ‘convencer’ o pessoal do mercado: ele disse que está combatendo os efeitos do coronavírus na economia desde 2019. Isso mesmo, desde antes da pandemia começar.

Panos quentes

Já as apresentações dos temas e convidados, entre uma atração e outra, tiveram a participação de nomes como Astrid Fontenelle, Daniel Adjuto e Monica Iozzi.

Os debates foram mediados na maioria por funcionários da XP Investimentos ou outros profissionais do mercado financeiro.

O contrário poderia ser mais interessante: o time de apresentadores questionaria com maior profundidade os figurões da República ou o delírio socialista de Bloomberg, por exemplo, que não só passou batido pelo crivo do funcionário da casa, Alberto J. Bernal-León, como ele parecia concordar.

Prioridades para endinheirados

Essa expert é para aprender com o passado, entender o que se passa hoje e apontar os riscos e oportunidades para o futuro e, sobretudo, manter a cabeça no lugar“, inicia Rafael Furlanetti, sócio-diretor da XP e um dos mediadores da conversa com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.

Em sua fala inicial, Arthur Lira questiona “em qual momento o Congresso deu sinais de que romperia com a responsabilidade fiscal?” – tema que aparece nos primeiros instantes e soa mais urgente do que desigualdades, desemprego ou fome. “Não houve, nem nunca haverá“, ele mesmo responde.

Embora muitas falas sejam ilustrativas e confirmem a existência de crenças predominantes nas elites políticas e financeiras, é o não-dito que fala mais alto no evento da maior corretora brasileira.

Em “mais de 100 horas de conteúdo de qualidade” – como a própria empresa propagandeou massivamente – , o único debate com a palavra diversidade no nome ocupou menos de 60 minutos da programação.

Se somar com o debate contendo a palavra desigualdade, não chega a duas horas de evento.

Reprodução: ExpertXP

Não existe democracia sem responsabilidade fiscal, e vice-versa

Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados

Outras falas de Arthur Lira na ExpertXP

A gente tem trabalhado muito, se esforçado bastante, para deixar claro que algumas nuances fogem ao campo político, como essa questão dos precatórios, que vem do campo jurídico. Esse crescimento geométrico de decisões jurídicas que têm seu curso, e nós temos limites orçamentários, inclusive limites discricionários de manutenção da máquina pública“.

“Nós temos que tratar com franqueza, sem especulação esse assunto, para deixar claro que no que depender do Congresso Nacional, não tenho dúvida do presidente Rodrigo Pacheco, da nossa gestão à frente da Câmara, dos nossos líderes, que nós não vamos praticar irresponsabilidade fiscal. Portanto, essas agruras momentâneas como os juros futuros, a especulação com o dólar e a inflação deveriam estar mais contidas porque o embate político foi propositalmente antecipado, isso faz parte do jogo político“.

O pessoal antecipou o debate político, o governo se defende nas suas pautas de debate, e isso é da política. Mas, na prática, nas matérias que são levadas a discussão, com mais ou menos dificuldades, o Congresso não deu sequer uma vírgula de possibilidade que desse a entender que nós romperíamos o teto de gastos. Pelo contrário“.

Inclusive semana passada eu estava achando que o meu crédito está bastante reduzido na palavra, uma coisa que a gente sempre cultivou porque enquanto depender de nós, vamos procurar alternativas para manter a responsabilidade fiscal porque ela anda junto e agarrada com a democracia. Não existe democracia sem responsabilidade fiscal e vice-versa“.

Tiago é jornalista e pós-graduado em Ciências Humanas, e aqui escreve sobre tecnologia, política e desafios contemporâneos da sociedade. Trabalhou na área comercial de livros por mais de 15 anos.
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