Foto: Annie Spratt, Unsplash "You've been zucked". London Street art Shoreditch Com informações de Axios, CNBC e Popular Information.
Não é de hoje o debate sobre a moderação de discursos no Facebook. Embora a maior empresa de comunicações do planeta – sob o comando supremo do fundador-criador Mark Zuckerberg – tenha criado recentemente uma espécie de “tribunal independente da desinformação“, acontecimentos recentes se sobrepõem aos esforços de combate à incitação do ódio.
Este ano, a empresa mudou as políticas internas de anúncios na plataforma para permitir que Trump e outros políticos pudessem continuar mentindo em postagens impulsionadas. Também foi revelado que o escritório de Washington do Facebook era controlado por agentes republicanos.
Na última semana, após o início dos protestos contra o assassinato de George Floyd por um policial, a plataforma tem sido duramente criticada por permitir que posts do presidente – claramente incitando a violência – permanecessem no ar. Entretanto, protestos públicos de repúdio, e também de funcionários insatisfeitos com a decisão, forçaram a empresa a tomar medidas e se pronunciar.
Cronologia
Na quarta-feira, dia 27 de maio, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, apareceu na Fox News para defender a decisão de não remover duas postagens no Facebook de Trump sobre a votação por correio. As publicações violavam claramente a política do Facebook que proíbe informações falsas sobre os métodos de votação. Zuckerberg disse que as postagens de Trump permaneceriam, mas a empresa derrubaria postagens de Trump que defendiam a violência.
Dois dias depois
Sexta-feira, dia 29, Trump postou a mensagem abaixo no Facebook, que claramente defendia a violência.
Na tarde do mesmo dia, Zuckerberg reafirmou em um longo comunicado que o post de Trump não seria removido. Disse, entre outras coisas, que discorda da declaração do presidente, mas defendeu a permanência da declaração aos olhos do público – o qual deve tirar as próprias conclusões.
O que Zuckerberg descreve como uma “referência histórica preocupante” é o uso da frase “quando os saques começam, o tiroteio começa“, proferida por racistas notórios como o chefe de polícia de Miami, Walter Headley, que foi o mandante de uma violenta repressão à comunidade negra da cidade.
A decisão de Zuckerberg foi particularmente impopular com um grupo de pessoas que o bilionário CEO não pode se dar ao luxo de alienar: seus funcionários. Segunda-feira passada, o engenheiro do Facebook Timothy Aveni anunciou publicamente que estava se demitindo em protesto:
A explicação de Aveni para o pedido de demissão é que o Facebook ignorou ou mudou as regras para acomodar Trump. Aveni não é o único funcionário do Facebook a se ofender com a última decisão de Zuckerberg de acomodar Trump. No Twitter, vários funcionários criticaram Zuckerberg, incluindo vários executivos de alto escalão.
I don’t know what to do, but I know doing nothing is not acceptable. I’m a FB employee that completely disagrees with Mark’s decision to do nothing about Trump’s recent posts, which clearly incite violence. I’m not alone inside of FB. There isn’t a neutral position on racism.
— Stirman (@stirman) May 30, 2020
Censoring information that might help people see the complete picture *is* wrong. But giving a platform to incite violence and spread disinformation is unacceptable, regardless who you are or if it’s newsworthy. I disagree with Mark’s position and will work to make change happen.
— Andrew (@AndrewCrow) June 1, 2020
Os protestos foram além dos tweets. Na segunda-feira, centenas de funcionários do Facebook fizeram uma greve virtual, em protesto contra a decisão de Zuckerberg sobre os posts inflamatórios de Trump.
A revolta interna é resultado da contradição do Facebook. O Facebook se vende para os funcionários, principalmente na área de São Francisco, como uma empresa progressista e inclusiva. Enquanto isso, o escritório de Washington, que controla grande parte das políticas públicas da empresa, é administrado por republicanos focados em aplacar Trump.
Dois telefonemas
Antes de tomar a decisão de permitir que o post de Trump que defendia a violência permaneceria no Facebook, Zuckerberg ligou para Trump. O portal Axios informou que a ligação “foi descrita pelos dois lados como produtiva“.
Zuckerberg não consultou nenhum grupo de direitos civis antes de tomar a decisão na semana passada. Na segunda-feira, ele anunciou que o Facebook doaria “US$ 10 milhões para grupos que trabalham com justiça racial“. O CEO da Alphabet (holding que detém o Google), Sundai Pichar, anunciou US$ 12 milhões em doações para entidades ligadas a justiça racial em uma mensagem aos funcionários.
Na segunda-feira, Zuckerberg telefonou para líderes de direitos civis. Parecia menos produtivo. Após a chamada, os participantes – Rashad Robinson, da Color of Change, Vanita Gupta, da Leadership Conference, e Sheriallyn Ifill, da LDF (Legal Defense and Educational Fund) – divulgaram uma declaração na qual criticam a falta de atitude da empresa.
Estamos desapontados e surpresos com as explicações incompreensíveis de Mark para permitir que as postagens de Trump permaneçam em pé
“Ele não demonstrou compreensão da supressão histórica ou moderna dos eleitores e se recusa a reconhecer como o Facebook está facilitando o pedido de Trump por violência contra manifestantes. Mark está estabelecendo um precedente muito perigoso para outras vozes que diriam coisas prejudiciais semelhantes no Facebook“, termina o comunicado conjunto.
Wait, “Zuckerberg posted last night that FB is committing an additional $10M to groups working on racial justice.”
— Vanita Gupta (@vanitaguptaCR) June 1, 2020
No amount of money can absolve the fact that his inaction on Trump’s tweets is directly putting Black lives and our very democracy in the line of fire. #bloodmoney https://t.co/oGWt8VounX
Precedentes
O Twitter adicionou uma espécie de filtro em tweets que infringem alguma política da rede social, como este tweet do ministro brasileiro Osmar Terra dizendo que o isolamento social aumenta os casos de infecção por coronavírus. O mesmo foi feito com um tweet de Trump na semana passada.
O próprio Facebook decidiu, dia 12 de maio, ocultar uma postagem do presidente Jair Bolsonaro nos stories do Instagram que continha uma fake news.
Nesta sexta-feira, Mark Zuckerberg voltou a se pronunciar publicamente sobre o post de Trump. Ele compartilhou no Facebook um comunicado que enviou aos funcionários.
Basicamente, o post ecoou grande parte do que disse aos funcionários durante uma sessão de perguntas e respostas na empresa no início desta semana, de acordo com uma gravação obtida pelo portal Vox. Reforçou que empresa vai revisar várias das políticas e processos de tomada de decisão, incluindo os conteúdos que dizem respeito ao uso da força pelo Estado.
Aos membros da nossa comunidade negra: eu estou com vocês. Suas vidas importam. Vidas negras importam.
Mark Zuckerberg em 5 de junho de 2020
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