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Quando o coronavírus ataca o cérebro

O principal alvo da covid-19 parece ser o pulmão. No entanto, a doença que já matou mais de 1 milhão e 800 mil pessoas no mundo em 2020 também pode atacar os rins, o fígado, os vasos sanguíneos e o coração, entre outros órgãos.

Imagem: Shutterstock
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Um dos aspectos mais intrigantes do novo coronavírus é o número de sistemas do corpo humano afetados ao longo da doença. Coração, pulmões, rins… Porém, um mistério crescente diz respeito ao impacto da covid-19 no sistema nervoso: o coronavírus também pode atacar o cérebro. E ele pode fazer isso de duas formas.

A forma indireta é a mais comum: metade dos pacientes apresenta sintomas neurológicos, como confusão mental, anosmia (ausência de olfato), delírio ou risco aumentado de AVC.

Já a forma direta se dá através das infecções dos tecidos cerebrais, ou encefalopatias.

Um artigo publicado em abril na revista Science destacava que um possível sinalizador das regiões mais vulneráveis do corpo seria aquelas ricas em receptores chamados ECA2 (enzima conversora da angiotensina 2).

Por isso dizemos que a covid-19 é uma doença sistêmica, e não apenas respiratória“, diz a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo.

Sintomas neurológicos graves

O jornalista Rodrigo Rodrigues faleceu em julho em decorrência de graves danos cerebrais causados pela covid-19.
Foto: Reprodução do Instagram

Em um artigo publicado na revista científica American Journal of Neuroradiology, dos Estados Unidos, um grupo de pesquisadores defende que, em pacientes com covid-19, os sintomas neurológicos descritos em vários artigos analisados são inespecíficos e inconclusivos para qualquer dano neurológico. Porém, mais recentemente, cientistas alertaram que o vírus ainda pode estar por trás de alguns danos cerebrais importantes, como tromboses – caso de Rodrigo Rodrigues – e acidente vascular cerebral (AVC).

Esses sintomas incluíram tontura, dor de cabeça, ataxia e confusão, que são sintomas transitórios frequentes de diversos cenários, como infecções, períodos prolongados de hospitalização e de pós-tratamento, entre outros.

Quando a covid-19 ataca o cérebro: as encefalopatias

Um artigo publicado na revista científica Cureus Journal of Medical Science, dos Estados Unidos, descreveu o caso clínico de uma aeromoça de Detroit com confirmação da covid-19 que reclamava de dor de cabeça.

Após exames de neuroimagem, os médicos diagnosticaram encefalopatia necrosante aguda, complicação rara associada a outras infecções virais, como influenza. Em diversas partes do mundo, novos casos têm sido relatados, inclusive em pacientes com menos de 60 anos.

A aeromoça teve o cérebro afetado por outros vírus oportunistas enquanto a covid-19 atacava os pulmões.

Nos EUA, um atleta de 19 anos morreu em decorrência de complicações neurológicas da covid-19. Após o contágio, Chad Dorril sentiu os sintomas típicos de gripe e fez uma quarentena na casa dos pais. Após o desaparecimento dos sintomas, retomou as atividades na universidade, mas logo precisou ser internado com sintomas neurológicos graves e não sobreviveu.

Outros estudos sugerem que pacientes podem ter sintomas neurológicos como acidente vascular encefálico (6%), prejuízo de consciência (15%) e também lesão muscular esquelética (19%) devido à covid-19.

No Brasil, uma força-tarefa do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (Inscer), vinculado à PUCRS, investiga, entre outras frentes, quais sequelas podem ficar desses sintomas. O neurologista Jaderson Costa da Costa, que coordena a força-tarefa, contou à BBC Brasil que, entre os casos mais graves atendidos pela equipe no Hospital São Lucas, em Porto Alegre, têm sido observadas convulsões, casos de síndrome de Guillain-Barré (que ataca o sistema nervoso e causa fraqueza muscular) e de encefalite, a inflamação do parênquima do encéfalo.

Um estudo recente da University College London chamou atenção para um caso raro e grave de encefalite que tem acometido alguns pacientes com covid — a encefalomielite aguda disseminada.

Sintomas psicóticos

Em fevereiro, na Itália, episódios de delírio foram relatados antes mesmo dos sintomas comuns, como febre e tosse.

Era como se ela estivesse assistindo a um filme, como ‘Kill Bill’”, disse o psiquiatra Hisam Goueli ao jornal The New York Times. Ele se refere à paciente: uma fisioterapeuta de 42 anos e mãe de quatro filhos pequenos que nunca tinha apresentado sintomas psiquiátricos antes de contrair a covid-19.

Ela chegou ao hospital do Dr. Goueli, em Long Island nos EUA, soluçando e dizendo que via seus filhos, com idades entre 2 e 10 anos, sendo horrivelmente assassinados, e que ela mesma havia traçado planos para matá-los.

A longa lista de possíveis sequelas da covid-19

Os pacientes que o Dr. Goueli tratou não apresentaram problemas respiratórios, mas apresentavam sintomas neurológicos sutis, como formigamento nas mãos, vertigem, dores de cabeça ou diminuição do cheiro. Então, num período que variava entre duas semanas e vários meses, eles “desenvolvem essa psicose profunda, que é realmente perigosa e assustadora para todas as pessoas ao seu redor”.

Mais pesquisas relataram alterações neurológicas em pacientes com covid-19, e sugerem atenção a sintomas como confusão mental associadas à doença. Cabe salientar, entretanto, que sequelas neurológicas irreversíveis ocasionadas pela covid-19 no cérebro são extremamente incomuns até o momento. Os avanços notáveis que a neurociência observou nos últimos cinco anos – e o processo ainda pouco entendido de regeneração natual do cérebro – podem ser auxiliares no processo de reversão das sequelas.

Um ponto que fica mais claro em relação à covid-19 é que não existe ainda um padrão observado entre as diversas formas da infecção na população ou quais órgãos são mais vulneráveis em determinados grupos.

Chama a atenção que sintomas e sequelas muitas vezes se confundem. Pacientes graves que tiveram um órgão gravemente afetado, após recuperados, não estão livres de sentirem os sintomas de alguém que ainda está com covid-19, porém, na forma de ‘sequela’.

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