Em uma matéria intitulada “A empresa secreta que pode acabar com a privacidade como a conhecemos“, o jornal The New York Times denunciou na semana passada que a Clearview AI ultrapassou uma fronteira que nenhuma outra empresa de tecnologia parecia disposta a violar: a criação de um banco de dados com mais de 3 bilhões de fotos que podem ser usadas para identificar uma pessoa em praticamente qualquer situação. Há um temor de que o reconhecimento facial universal, implantado em grande escala, esteja próximo.
No Twitter, a jornalista Kashmir Hill, disse que a ‘paranóia’ de que todas as nossas fotos online seriam usadas para criar um aplicativo de reconhecimento facial universal realmente aconteceu.
Na reportagem, ela relata que enviou uma foto dela a diferentes policiais para ser escaneada pelo sistema. Em seguida, a foto parou de ser identificada no sistema, e estes policiais que realizaram as consultas receberam ligações da Clearview AI perguntando se eles ‘andavam falando com a imprensa’. Ela relata:
“Quando comecei a pesquisar a Clearview AI, ela tinha um endereço comercial inexistente em seu site e um funcionário falso no LinkedIn, e ninguém da empresa retornava minhas ligações. Mas eles sabiam de mim e estavam monitorando os policiais que carregaram minha foto no aplicativo”, diz um trecho da matéria.
Ainda segundo ela, um colega do NY Times descobriu que o serviço da Clearview AI permitia compartilhar a base de dados com um óculos de realidade aumentada, “como no filme Exterminador do Futuro 2”, diz a jornalista em um tweet.
Em outro tweet, ela conta que o mesmo colega participou de um teste com o app, em que usaram os rostos gerados por computador em http://thispersondoesnotexist.com. “Quando entrevistei o fundador da empresa, ele acessou o mesmo site, executou o aplicativo de reconhecimento em alguns dos rostos. Não houve correspondências. A coisa realmente funciona“.
Oh also, a note on the top art by @adamferriss, he used computer-generated faces from https://t.co/9lkvbAY0tx. When I interviewed the company founder, he pulled up the same site, ran the recognition app on some of the faces. There were no matches. The friggin’ thing really works.
— Kashmir Hill (@kashhill) January 18, 2020
“Quando o fundador tirou uma foto minha enquanto eu cobria meu nariz e boca, ele ainda funcionava, devolvendo 7 fotos minhas, uma com 10 anos de idade. É insano“, conta a jornalista do NY Times no Twitter.
Hoan Ton-That, o fundador
Até recentemente, os maiores sucessos de Hoan Ton-That incluíam dois aplicativos maliciosos de phishing – HappyAppy e ViddyHo – , um jogo obscuro para iPhone e um aplicativo que permitia que as pessoas colocassem o cabelo amarelo de Donald Trump em suas próprias fotos.
Então Ton-That – um técnico australiano e ex-modelo – fez algo importante: ele inventou uma ferramenta que poderia acabar com sua capacidade de andar pela rua anonimamente, e a forneceu a mais de 600 agências policiais, desde as polícias locais na Flórida, o FBI, até o Departamento de Segurança Interna (Department of Homeland Security).
A página da Wikipedia de Ton-That fala em ligações dele com a extrema-direita dos Estados Unidos, incluindo Mike Cernovich, um ativista pelos direitos dos homens, e Paul Nehlen, conhecido supremacista branco.
A jornalista do NY Times, Kashmir Hill, comenta um tweet dela mesma assim: “desculpem rapazes. Vocês não terão o aplicativo Clearview para uso em festas quando esquecer o nome de alguém“, e compartilhou uma nota divulgada pela empresa, na qual se defende, alegando que a ferramenta é restrita a autoridades policiais.
Ton-That disse a Hill que a empresa estava trabalhando em maneiras pelas quais as pessoas possam solicitar que suas informações sejam removidas do banco de dados. Ele forneceu um endereço de e-mail para envio de solicitações de remoção. Você deve enviar uma selfie segurando um documento válido com foto junto com a sua solicitação.
Isso é um bug? Ou um novo recurso?”
Owen Thomas, do San Francisco Chronicle
Londres
A polícia se prepara para começar a usar câmeras de reconhecimento facial ao vivo em Londres. A instituição rejeitou as alegações de que o esquema era “um assalto de tirar o fôlego aos direitos” e alegou que 80% das pessoas pesquisadas apoiaram a decisão. Ele disse que o sistema será lançado no próximo mês e terá como objetivo capturar criminosos e rastrear pessoas desaparecidas.
Rio de Janeiro
A segunda maior metrópole do Brasil também anda experimentando o reconhecimento facial sem uma ampla discussão sobre os efeitos e riscos. Uma mulher foi presa por engano em julho, após o reconhecimento de mais de 8 mil pessoas durante o carnaval, entre foragidos, suspeitos e desaparecidos.
Reconhecimento facial vem dando – bem – errado”
Paula Bianchi, The Intercept Brasil
Na newsletter do The Intercept Brasil do último fim de semana, a editora Paula Bianchi revela que teve acesso à ata secreta da reunião do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, com o ministro para o Comércio Exterior britânico, Conor Burns, tratando sobre o uso de tecnologia de reconhecimento facial inglesa no Estado.
“A final da Champions League em 2017 na própria Inglaterra é um bom exemplo. O sistema de vigilância usado pela polícia britânica identificou 2.470 possíveis criminosos no meio da multidão – mas só 173 foram corretamente identificados, um índice de erros de 92%. Essa é a ‘notável expertise’ que a polícia britânica bradou ao governador. Agora imagina essa situação em um estado que pena até para abastecer os tanques de gasolina das viaturas policiais“.