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Aliança de Edir Macedo com Bolsonaro envolve mais que fé

Por Gilberto Nascimento, da Agência Pública

A candidatura do bispo Marcos Pereira à presidência da Câmara é impulsionada nos bastidores pelo presidente da República. A aliança entre Bolsonaro e Edir Macedo envolveu também o acolhimento de familiares do presidente no partido da Universal, o Republicanos. Marcos Pereira tem se movimentado ativamente em busca do atendimento das reivindicações da Universal e demais evangélicos.

O líder da Igreja Universal, Edir Macedo, e o presidente Jair Bolsonaro desejam ver o bispo Marcos Pereira, deputado e presidente do partido Republicanos, como sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2021.

A informação foi divulgada por ex-membros da igreja em vídeos nas redes sociais, e os rumores de que o bispo é um forte candidato foi confirmada por parlamentares entrevistados pela reportagem da Agência Pública.

Caso chegue ao posto, Pereira seria o segundo nome na linha de sucessão presidencial, logo depois do vice-presidente da República. O presidente da Câmara é o responsável, por exemplo, pela aceitação ou não de um pedido de impeachment de Bolsonaro.

O deputado Marcos Pereira e o bispo Edir Macedo durante a posse de Jair Bolsonaro. Reprodução.

A bancada evangélica é tida como a maior avalista de Bolsonaro hoje no Congresso e, por isso, a candidatura de Pereira estaria sendo impulsionada nos bastidores pelo presidente da República, afirmam parlamentares entrevistados. Marcos Pereira é presidente do Republicanos (ex-PRB), o braço político da igreja de Edir Macedo e é atualmente o vice-presidente da Câmara dos Deputados. Além disso, comanda uma bancada de 30 deputados do partido ligado à Universal – a maioria bispos e pastores ou artistas e radialistas ligados à TV Record.

Ex-ministro da Indústria e Comércio no governo Michel Temer, Pereira é um dos expoentes do Centrão. Para conquistar a presidência da Casa, Pereira terá de disputar espaços com um outro importante nome do Centrão, o deputado Arthur Lira (PP-AL), que também tem se aproximado de Bolsonaro. Já o nome preferido de Maia para sucedê-lo seria o líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), segundo se comenta nos bastidores.

Parlamentares da oposição ouvidos pela reportagem consideram “prematuro” o lançamento da candidatura de Marcos Pereira. Mas o bispo demonstrou seu prestígio nas últimas semanas. Conseguiu a indicação de Tiago Queiroz para comandar a Secretaria Nacional de Mobilidade, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional. No ato da nomeação, na quinta-feira 7 de maio, era o bispo Pereira quem aparecia nas fotos, na imprensa, cumprimentando Bolsonaro – e não o novo secretário.

Tiago Queiroz foi diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde na gestão do ministro Ricardo Barros (PP), durante o governo Michel Temer. Em dezembro de 2018, o Ministério Público Federal moveu ação contra o então ministro da Saúde por supostas irregularidades na compra de medicamentos e contratação de empresa fornecedora e Queiroz, além de outros dirigentes do órgão, teve o seu nome envolvido no caso.

Numa postagem no Twitter, Marcos Pereira disse não ter tratado com o presidente da República de composições no governo. Mas fez a ressalva: “Ainda que fosse, e se em algum momento acontecer, não seria incoerente, uma vez que apoiamos Jair Bolsonaro, e no início de sua gestão eu disse que nossa pauta convergia em 80%. O Republicanos segue coerente”.

A família Bolsonaro e o Republicanos

(São Paulo – SP, 01/09/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro é recebido pelo Pastor Edir Macedo durante visita ao Templo de Salomão. Foto: Alan Santos/PR

A aliança entre Bolsonaro e Edir Macedo envolveu também o acolhimento de familiares do presidente da República no partido da Universal. O Republicanos recebeu, em março, dois filhos de Bolsonaro, o vereador Carlos e o senador Flávio, e sua ex-mulher, Rogéria. Macedo também já anunciou que o Republicanos estará de portas abertas para garantir legenda nas próximas eleições aos candidatos do Aliança pelo Brasil, o partido de Bolsonaro que não conseguiu o registro a tempo para participar oficialmente da disputa.

Às vésperas das eleições municipais de 2008, a Universal apresentou publicamente ao país o seu projeto político, por meio de um livro, “Plano de Poder: Deus, os cristãos e a política”, escrito por Edir Macedo e o jornalista Carlos Oliveira. A obra destacava a importância de os fiéis participarem do poder e influenciarem nas decisões políticas. O objetivo mais importante, anunciava Macedo, era governar o Brasil com “um grande projeto de nação elaborado e pretendido pelo próprio Deus”. E a aliança com o bolsonarismo tem permitido ampliar esse poder político da igreja. Em um áudio vazado na terça-feira, 5 de maio, uma assessora da secretária de Cultura, Regina Duarte, contou à sua chefe que Edir Macedo havia indicado um nome ao governo para substituí-la. “Eu acho que ele está me dispensando”, lamentou Regina, mantida no cargo até o momento.

O homem de confiança do bispo

Jair Bolsonaro e o deputado federal Marcos Pereira durante culto evangélico na Câmara dos Deputados.
Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Macedo sempre alertou seus seguidores, segundo o ex-pastor da Universal Ronaldo Didini, de que seus empreendimentos e a força dos seus templos espalhados pelo Brasil e pelo mundo somente conduziriam sua igreja a um novo patamar de poder se estivessem aliadas a uma expressiva representação política. Por isso, a organização do grupo Universal é estruturada em três pilares: a religião, a TV e a política. Cada área tem um responsável, geralmente um bispo. Para cuidar da política, Macedo enxergou no fiel Marcos Pereira exímio talento para essa função. Calmo, voz baixa, Pereira não é de arroubos. Reflete antes de emitir qualquer opinião e só dá passos seguros, contam os colegas da Câmara. “Não foi à toa que o Edir Macedo o escolheu. Ele dialoga com muita gente”, avaliza o ex-deputado do PT Candido Vaccarezza, líder do partido e do governo na Câmara durante as gestões de Lula e Dilma Rousseff. “Ele é muito articulado”, atesta o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

Capixaba, 48 anos, Pereira nasceu em Linhares, interior do Espírito Santo. Não conheceu sua mãe biológica, uma empregada doméstica que o deixou logo depois do nascimento numa pensão às margens da rodovia BR-101, segundo a biografia oficial do deputado, em seu site na internet. Um casal o adotou, mas separou-se quando ele tinha cinco anos. Pereira acabou criado pela avó paterna. Estudou em escola pública e viveu numa família católica. Aos 17 anos, concluiu o curso de técnico em contabilidade no ensino médio profissionalizante e montou um escritório em sociedade com dois amigos. Na mesma época, entrou para a Igreja Universal. Aos 20, já era pastor.

Pereira passou a trabalhar na parte administrativa da igreja, em 1994, no Rio de Janeiro. Um ano depois virou diretor-administrativo e financeiro da TV Record no estado. Ficou na função até 1999, quando virou bispo e assumiu o comando da Rede Mulher de Televisão. Quatro anos depois, se tornaria sócio da LM Consultoria, empresa de consultoria da Igreja Universal nas áreas contábil e fiscal.

Ainda em 2003, Pereira assumiu a vice-presidência da Record numa época em que havia um único vice. Atualmente, há um para a área administrativa, outro para o jornalismo e um para a direção artística e programação. Depois, cuidou ainda da área de relações institucionais da emissora, onde permaneceu até 2010. Formado em Direito pela Unip, em 2005 Pereira atuou como um dos advogados de Macedo. Fundou o escritório Pereira, Moraes e Oliveira Sociedade de Advogados. Assumiu o comando do então PRB em 2011 e foi um dos responsáveis por trazer ao partido nomes de expressão não necessariamente evangélicos, como o deputado e radialista Celso Russomanno, que chegou a ter 1,5 milhão de votos na eleição para a Câmara Federal, em 2014.

Em 2018, quando era ministro no governo Temer, Pereira teve o nome citado na Lava Jato pelo empreiteiro Marcelo Odebrecht. Teria recebido, segundo a denúncia, R$ 7 milhões do caixa dois da construtora Odebrecht, em dinheiro vivo, para a campanha política de 2014. O empresário Joesley Batista, do grupo JBS, também declarou ter pago R$ 4,2 milhões ao ex-ministro pela liberação de um empréstimo de R$ 2,7 bilhões na Caixa Econômica Federal. O cargo de vice-presidente do banco havia sido indicada pelo então PRB. Pereira negou as acusações. Disse ter agido “sempre dentro da lei enquanto presidente de partido, respeitando as regras eleitorais”.

O presidente do Republicanos costuma ser apontado na imprensa como bispo licenciado. Mas o ex-bispo da Universal Alfredo Paulo diz não existir essa distinção na igreja. Portanto, é bispo. A avaliação entre os colegas na Câmara é que ele só concorrerá à eleição na Câmara se for para ganhar.

Hoje, Pereira é o homem destacado pela Universal – como ressalta o ex-colega Alfredo Paulo–, para debater com o governo questões de interesse da Igreja e da Record. Entre esses temas estão as concessões de TVs e renovações de outorga, a flexibilização nas leis que regem as igrejas, o perdão das dívidas de instituições religiosas e a liberação de empréstimos, além da permissão para as denominações enviarem remessas para o Exterior e receberem dinheiro de fora do País. Vários desses pontos estão numa lista de reivindicações da bancada evangélica.

Bolsonaro tem acenado positivamente aos pedidos. O presidente da República pediu à Receita Federal uma solução para as dívidas tributárias das igrejas com o Fisco. Ordenou à sua equipe econômica a resolução do problema. Mas há resistência dos técnicos do governo. As dívidas são milionárias. O total chega a R$ 1,6 bilhão, segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo. A Igreja Internacional da Graça de Deus, por exemplo, acumula R$ 144 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativa da União. Dois outros processos da mesma denominação no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – o tribunal administrativo da Receita -, envolvem outras autuações estimadas em R$ 44 milhões. No caso da Universal, os valores não foram divulgados. A igreja de Macedo tem seis processos em andamento no Carf, de acordo com o Estadão. A Universal contestou. Disse pagar “rigorosamente todos os tributos que são devidos” e não dever “qualquer valor à Receita Federal”.

As dívidas são resultado de autuações após a descoberta de que as igrejas teriam se utilizado de pagamentos a pastores – isentos de tributos -, para distribuir somas vultosas a seus principais dirigentes. Alegavam, nesses casos, participação nos lucros ou a remuneração variável aos líderes responsáveis por templos com grande número de fiéis. Parte dos dízimos e ofertas, ainda de acordo com a reportagem, teria saído das igrejas disfarçada de contratos de prestação de serviços. O dissidente Alfredo Paulo conta que, quando era bispo da Universal em Portugal, depósitos bancários por supostas gratificações teriam sido feitos em uma conta em seu nome. Mas o dinheiro seria utilizado, na verdade, para custear despesas pessoais do bispo Edir Macedo e sua mulher, Ester, por meio de um cartão de crédito. Alfredo disse ter entregado as provas de suas denúncias ao Ministério Público português, que ainda não se manifestou sobre esses supostos desvios. A Igreja nega as acusações e move processos por calúnia e difamação contra o ex-bispo.

Empréstimos Bancários

O deputado federal Marcos Pereira começou a trabalhar na parte administrativa da Igreja Universal em 1994 e é visto como homem de confiança de Edir Macedo.
Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

O deputado e bispo Marcos Pereira tem se movimentado ativamente em busca do atendimento das reivindicações da Universal e dos demais evangélicos. No dia 22 de abril, ele se reuniu com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para pedir a liberação de empréstimos bancários às igrejas. Os bancos normalmente não liberam financiamentos para instituições religiosas porque elas só podem oferecer como garantia os templos e as ofertas dos fiéis, cujos valores nem sempre são especificados. Os técnicos da Receita temem que, com a pressão dos evangélicos, o governo libere a Caixa Econômica Federal para conceder esses empréstimos. Uma brecha para essa medida seria aberta em razão de as igrejas terem registrado queda no recolhimento de dízimos e ofertas com a proibição ou diminuição de cultos devido à Covid-19. Em nota, Marcos Pereira disse ter pedido ao BC apenas esclarecimentos “a respeito da possibilidade de instituições financeiras poderem emprestar para instituições religiosas”.

A fim de pressionar o governo, a TV Record de Macedo – claramente alinhada ao Palácio do Planalto – criticou o ministro da Economia, Paulo Guedes, em uma reportagem de mais de três minutos no Jornal da Record, na noite de 23 de abril. Guedes foi “insensível aos pobres” e cometeu “erros no controle do dólar”, segundo a emissora. Outros ministros do governo foram enaltecidos no telejornal, como Braga Netto, da Casa Civil, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. “A Universal e as outras igrejas vão condicionar o apoio a Bolsonaro ao esquecimento dessas irregularidades, para que fiquem livres dessas multas”, avaliou o ex-bispo Alfredo Paulo.

O presidente Jair Bolsonaro também fez um outro afago a Edir Macedo: depois de se queixar sobre a forma como a TV Globo mostrou o seu comentário “E daí?”, diante do recorde de 479 mortes de brasileiros por coronavírus num único dia, no final de abril, pôs em dúvida a renovação da concessão da emissora carioca. “Não vou dar dinheiro para vocês (Globo). Em 2022, não é ameaça não. Assim como faço para todo mundo, vai ter que estar tudo direitinho a contabilidade para que possa ter a concessão renovada. Se não tiver tudo certo, não renovo”, provocou, para deleite de seguidores do arquirrival da Globo.

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