Foto: Marcos Paulo Prado, Unsplash
O combinado não sai caro, diz o ditado popular. Bastava cumprir, minimamente, com o que ficou combinado nas eleições com o mercado e com um punhado de aliados para garantir com folga o 2º mandato. Mas o que se vê, no entanto, não causa espanto em quem já enxergava o isolamento político e desarticulação de Jair Bolsonaro desde o primeiro mandato de deputado federal, no distante ano de 1991.
Panelaço fortíssimo em Higienópolis, bairro paulistano, enquanto o presidente fala.#panelacocontrabolsonaro.
— Mídia NINJA (@MidiaNINJA) March 31, 2020
Video: Graciliano Rocha pic.twitter.com/3c4V6NsQ0t
Acumulando rompimentos, sem partido e isolado, com uma oposição antes enfraquecida e fragmentada, e agora unida e uníssona, não é preciso ser um exímio analista político para perceber a mudança de ânimos no presidente e no País.
Se antes da pandemia da COVID-19 a popularidade do presidente eleito com 57 milhões de votos transitava entre a militância mitológica, o exército de robôs e o delírio olavista-bolsonaresco, agora o capitão reformado chora – literalmente – as oportunidades perdidas.
Armínio Fraga sugere renda mínima para 100 milhões
O populismo de Bolsonaro entra para a História como o primeiro a excluir os mais pobres do discurso político. Ao privilegiar o andar de cima sem meias palavras, o presidente não apenas deixa claro para a própria base de apoio a verdadeira face do governo – nítida para quem não votou nele – mas também contraria um movimento único que o País e o mundo vivem: os governos do mundo inteiro estão liberados pelos economistas liberais para jorrar dinheiro público para salvar pátrias-amadas. Qual presidente não sonharia com tamanho cheque em branco? Qual governo não capitalizaria politicamente um fato tão relevante?
Live AGORA para explicar porque o governo não precisa de PEC alguma para pagar a Renda Básica Emergencial de R$ 600.
— Monica de Bolle (@bollemdb) March 31, 2020
Acontece que depois da chuva de suspeitas de corrupção da família, depois de usar a caneta presidencial para afrouxar regras para liberar geral a turma da milícia para operar tranquilamente com armas, mesmo que Bolsonaro mudasse radicalmente o discurso e caísse na realidade – o que não soa realista – , ele não encontraria mais eco na base real de apoio para vencer novamente as eleições mesmo com o apoio de todos os canais abertos de TV do País, exceto um, a TV Globo.
@joicehasselmann Trabalhando muito sério pela cidade e pelo Estado de São Paulo .@PSL_Nacional Parabéns pelo trabalho e pela luta . pic.twitter.com/hsO6tzOhdr
— Alexandre Frota 77 (@alefrota77) March 27, 2020
Oposição ressuscitada
O negacionismo da gravidade da pandemia conseguiu algo que parecia impossível até a semana passada: tirou a oposição do torpor individualista para uma tentativa de derrubada do (desde sempre) adversário em comum.
O pedido de impeachment de Bolsonaro não era consenso nem mesmo entre as alas internas do PSOL – partido que organizou um abaixo-assinado que já acumula um milhão de assinaturas. A saída antecipada do presidente é dada como certa, apenas não se sabe ainda como nem quando.
Instituições estressadas
A intensificação dos ataques ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal e a jornalistas também uniu outros personagens contra Bolsonaro. O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, protocolou um pedido de afastamento do presidente da República junto ao Procurador Geral da República, Augusto Aras, por disseminar desinformação sobre a pandemia do coronavírus. O ministro Gilmar Mendes se posicionou sobre o argumento usado por Paulo Guedes para dificultar o pagamento do benefício de R$600 aprovado pelo Congresso em regime de urgência, e ainda não sancionado pelo Executivo.
Não adianta tentar colocar a culpa na Constituição Federal: as suas salvaguardas fiscais não são obstáculo, mas ferramenta de superação desta crise. O momento exige grandeza para se buscar soluções de uma Administração Pública integrada e livre do sectarismo. #PagaLogo.
— Gilmar Mendes (@gilmarmendes) April 1, 2020
Gabinete do Ódio
Novamente os argumentos 'canalhas' e golpistas do PT contra o presidente da República, caíram por terra.https://t.co/vAcAHByA6c
— Jornal da Cidade Online (@JornalDaCidadeO) March 31, 2020
Você já conhece o Jornal da Cidade Online? É um dos “veículos de comunicação” compartilhados por Carlos Bolsonaro nas redes sociais. Você pode ver um exemplo de xenofobia do tal veículo neste tweet. Não é difícil encontrar outros exemplos no site.
Sem cargo no governo, Carlos Bolsonaro ganha sala ao lado do pai (via @EstadaoPolitica) https://t.co/ZHwiFasN4r
— Estadão (@Estadao) March 31, 2020
Estratégia fracassada
O guru da Virgínia dos Bolsonaro sugere a restauração da “unidade nacional” à força, através do exército, às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964. Para isto acontecer é muito fácil: basta Bolsonaro renunciar. O governo hoje tem mais militares no governo do que tinha na ditadura.
Com a renúncia, pouco ou nada mudaria nos escalões abaixo do capitão. Nem mesmo o discurso anticomunista ateu – idêntico ao utilizado por militares 50 anos atrás. Não acredita? Assista ao vídeo abaixo, do vice-presidente Hamilton Mourão, conclamando apoiadores para as manifestações ocorridas no dia 15 de março:
Seguindo a tese do astrólogo, o Brasil estaria então livre das vontades dos governos estaduais – que seriam, segundo ele, representantes das vontades do governo chinês ou russo – e estaríamos enfim unidos através de uma restauração militar. Será que, nesta tese, os militares colocariam a China, maior parceiro comercial do Brasil, para correr?
Sem saída
Aparentemente, neste momento, há apenas uma certeza: com renúncia ou com impeachment, o Brasil seguiria sem governo, com sorte nas mãos de Deus, até 2022.