Historicamente, o Brasil tem uma cultura que valoriza longas horas de trabalho como sinônimo de dedicação e produtividade. Muitos gestores ainda associam a presença física prolongada à entrega de resultados, mesmo que estudos demonstrem que jornadas mais curtas aumentam a produtividade, reduzem a rotatividade e diminuem as faltas ao trabalho.
Para muitas empresas, os custos de ações judiciais e com a saúde dos funcionários são um problema inevitável, e as decisões empresariais priorizam ganhos imediatos de produção com mais horas trabalhadas.
Porém, essa visão de curto prazo tem se mostrado uma escolha mais custosa devido ao impacto na saúde dos trabalhadores e no aumento de processos trabalhistas.
O adoecimento em virtude do trabalho está normalizado. A escala 6×1 poderia ganhar um CID na medicina.
Apenas um dia de folga após seis dias de trabalho afeta física e mentalmente qualquer um, e atrapalha a tão estimada produtividade na vida pessoal e profissional.
Sabe aquelas empresas que se autoproclamam socialmente responsáveis? Elas deveriam ser as primeiras a abolir voluntariamente esse esquema de trabalho.
Em uma sociedade soterrada por narrativas de prosperidade, que vendem a ideia de felicidade e propósito no trabalho, é cada vez mais difícil encontrar argumentos para convencer quem trabalha no comércio, por exemplo, de que a empresa prioriza o bem-estar dos funcionários.
A escala 6×1 não é ganha-ganha
Adotada amplamente em setores como o varejo, logística e indústria, ela é uma herança de um modelo de produção focado na maximização do lucro financiada pelo tempo de vida dos trabalhadores.
Em um momento em que o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e respeito às condições laborais estão em pauta, a permanência da escala 6×1 fica cada vez mais ultrapassada.
Na prática, quem consegue, foge desse esquema.
A discussão sobre o 6×1 é também um embate histórico entre capital e trabalho. Desde a Revolução Industrial, quando operários lutaram pela redução da jornada diária de 16 para 8 horas, trabalhadores vêm conquistando direitos fundamentais em meio a muita resistência do empresariado.
Os empresários – em todas as épocas que o corte de horas foi debatido – alegam que isso ameaçaria a economia. Agora, repetem o argumento para causar pânico, evocando o fantasma da inflação.
Em resumo, o antigo discurso está de roupa nova: “o fim dessa escala é delírio instagramável, bem-estar e descanso são privilégios, não direitos”.
Outro aspecto crítico é a desigualdade dentro das próprias empresas. Enquanto trabalhadores operacionais, como atendentes de lojas ou auxiliares de produção, seguem o regime 6×1, seus supervisores e gerentes possuem escalas mais flexíveis. Essa diferenciação cria uma divisão entre trabalhadores “de campo” e os chamados “estratégicos” que, além de ter consequências na motivação da equipe, reforça uma hierarquia de classes dentro das corporações.
A redução da jornada semanal de 44 para 40 horas, com pelo menos dois dias de folga por semana, melhora a qualidade da mão de obra, o que favorece as empresas.
Para quem acredita que mudar a escala elevaria os preços de tudo e, consequentemente, a inflação, vale lembrar que muitos países já adotaram jornadas com mais folgas semanais sem quebrar empresas ou economias.
Nesse sentido, avançar o debate das 36 horas semanais soa razoável, não um delírio.
Na União Europeia, a jornada máxima semanal é de 48 horas, com obrigatoriedade de folga mínima de dois dias em muitos casos. Na França, é comum o setor privado contratar por 35 horas semanais, e na Alemanha, 40. Essa prática é vista como uma forma de garantir qualidade de vida e saúde para quem trabalha, sem comprometer a competitividade das empresas.
Argumentar que a baixa produtividade do trabalhador brasileiro justifica jornadas intensas é ignorar um cenário mais complexo. A produtividade não depende apenas de horas trabalhadas, mas de fatores como investimento em tecnologia, capacitação e condições adequadas de trabalho. Repensar a escala 6×1 não é sobre trabalhar menos, mas sobre trabalhar melhor e com mais eficiência.
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