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Sete ilusões sobre empreendedorismo

A mais grave é a que promete maior independência na própria empresa.

Quem nunca criou uma ilusão e acreditou no próprio delírio, que atire a primeira pedra. No processo de decidir empreender, quase cheguei a acreditar em algumas ‘mentirinhas’.

Detectei sete respostas quase que automáticas que dava a mim mesmo ao refletir sobre a dúvida inesgotável: vale a pena empreender?

Dê uma chance a este ensaio sincero, uma vez que empreendedorismo é um assunto tão esgotado. Quanto mais esgotado o assunto, mais desafiador falar nele. Mais fontes e conteúdos duvidosos impossível. Pode acreditar, serei franco.

No final das contas, o que eu sempre soube desde o começo é que empreender pode ser ótimo, mas, na maioria das vezes, não é. Se os números dizem, cabe a nós lidarmos melhor com os fatos: o ‘fracasso’ é mais provável que o ‘sucesso’.

Reprodução: Pequenas Empresas & Grandes Negócios

1. “Vou ser mais independente, mais do que trabalhando para uma grande empresa”

Você vai ser mais dependente das grandes empresas.

São elas que prestam todos os tipos de serviços, começando pelos bancos, depois as gigantes da internet (não é opcional ter um site, perfis em todas as redes sociais e um domínio com o nome da empresa), sem falar nas companhias de luz e telefonia e os fornecedores dos produtos ou serviços que você vai vender, a contabilidade, e é bom avisar logo, um bom assessoramento jurídico.

Na melhor das hipóteses, se você for visionária(o) e tiver a pretensão de criar um negócio relevante, suas chances são ainda menores que os 20% que sobrevivem aos 5 primeiros anos de funcionamento.

No Brasil, 80% das empresas ‘falecem’ antes do 5º aniversário por inúmeras e imprevisíveis razões. Infelizmente, estes são os números.

Desde problemas e desavenças entre sócios, má administração, oscilações do mercado em que atua (e que podem levar à paralisia do negócio apesar dos seus esforços e, possivelmente, à falência), até mesmo a doença ou sumiço repentino de um funcionário do banco no dia de liberar um empréstimo que salvaria o seu caixa.

Esqueça qualquer sensação de segurança que um dia possa ter sentido ‘nos tempos’ de CLT, ou de contratos MEI precarizados, mas ainda assim constantes.

Tenha em mente que nunca se sabe quando é você quem assina embaixo de tudo. Até você conquistar um aporte de um fundo de venture capital, não minimize os riscos que você passa a correr ao investir o próprio e suado dinheiro.

2. “Vou ter mais flexibilidade para focar na vida pessoal”

Esta é uma ilusão clássica de quem fantasia uma vida sem cobranças ou metas. Depois de levar um pito do chefe por um atraso ou prazo perdido ou outro motivo qualquer, quem nunca pensou em não ter mais chefes?

É melhor ter em mente que na sua empresa, nada será feito, e nada vai acontecer, se você não fizer, ou se não delegar a alguém. Isso inclui tudo, desde o site, a limpeza, até aquela reunião desnecessária que você conseguiria evitar (ou enviar um representante) se fosse analista, gerente ou diretor(a) em uma grande empresa. Você que não gostava de “ter chefes”, agora o “chefe” é você.

Se o seu plano de negócios não inclui o salário de funcionários, você será responsável pelo cafezinho, por comprar a mesa que trabalha, trocar o toner, pagar os boletos. E são muitos.

No início, é provável que você perca a vontade de jantar em um bom restaurante, ou de passar o fim de ano naquela praia paradisíaca.

Você não terá essas vontades porque o caixa da empresa é uma prioridade central na sua vida neste momento e daqui para o sempre, e cada despesa extra que você não economizar vai voltar à sua consciência na hora de pedir uma antecipação de recebíveis ao banco.

Mesmo que você separe direitinho as finanças da empresa da sua pessoa física, você vai achar irracional gastar quantias exorbitantes em restaurantes e outros supérfluos, enfim, você será a pessoa mais chata do universo porque vai passar a ter noção de cada centavo e porcento, o que pode ser interpretado pelas outras pessoas como uma mesquinharia sua, mas experimente continuar com o mesmo padrão de vida de quando tinha o salário na conta todo o dia 1º, 15 ou 30.

Adicione os planos de emagrecer, fazer academia, ter uma alimentação saudável, botox… haja disciplina. A sua vida pessoal não vai ser prioridade. Ela vai virar, sem avisar, a sua pessoa jurídica. Elas vão se fundir.

Aceite-as desta forma desde cedo, ou se prepare para sofrer da síndrome crônica de FOMO (Fear of Missing Out).

3. “Se sou bom/boa no que faço, não tem como dar errado”

Você entrega os melhores resultados e até surpreende os chefes, e foi até promovida(o)! Por que não pensar que você vai arrasar nos negócios?

Esta é uma mentira contada por nós mesmos para justificar um risco que, na verdade, não há como ser calculado.

Empreender é uma decisão tomada de forma intuitiva. Não existe explicação, apesar de todos os ‘gurus’ terem lá a sua própria epifania particular para justificar o sucesso.

Pode ser da natureza humana negar a infelicidade e a pobreza exaltando o próprio sucesso.

Aí você se dá conta que conseguiria, sim, aguentar uns sapos engolidos de vez em quando na firma, sendo promovida(o) aqui e ali, ganhando aumentos, sem colocar em jogo toda a sua carreira profissional.

Se você está desempregada(o), empreender se impõe como única opção. Tudo que você tem é uma ideia e pilhas de boletos para pagar.

Um novo projeto é mais uma tentativa de que algo dê certo, ou mera questão de sobrevivência; agora, quem tem um emprego formal e vira empreendedor(a) por opção, terá de cuidar pessoalmente da aposentadoria e, se quiser e puder bancar, qualquer outro benefício que um emprego estável em uma grande empresa proporciona – plano de saúde, por exemplo.

Se você consegue dizer para si mesma(o) – e acreditar – que é bom/boa de verdade no que faz, eu sugeriria que você ficasse onde está, apesar da sensação de marasmo ou qualquer outra que você esteja passando na sua vida pessoal e que possa refletir de forma involuntária na delirante ideia de empreender.

Pode dar tudo certo? Pode, mas você vai entrar em estado permanente de que algo pode dar errado a qualquer momento, desmoronar, e vai desenvolver um semi-pânico e uma espécie de hiperatividade cerebral na tentativa de manter tudo sob controle, apesar de saber que a maior parte das coisas você simplesmente não pode controlar.

É bom ter fé: para quem acredita, você vai estar entregue às mãos de Deus.

4. “Se algo der errado eu volto ao mercado de trabalho”

Empreender ainda é visto por muitas pessoas no meio corporativo como um caminho sem volta, definitivo.

Tenha em mente que o grupo de pessoas que mais aumenta nos índices de desemprego do País são aquelas em busca de uma oportunidade por mais de 2 anos, então aguente firme o clima de animação na firma naqueles dias que você preferiria não ter saído da cama, porque você precisa é se tratar, não empreender, e uma decisão errada pode custar anos da sua vida.

Até você se recompor de um possível tombo da sua futura empresa, e recomeçar a vida com a cabeça no lugar e disposição para encarar RHs e gerentões cada vez mais exigentes e esquisitos na mesma proporção, pode significar anos perdidos num projeto que não deu certo e que você passa a enxergar como uma mancha no seu currículo a ser evitada porque pode gerar todo o tipo de perguntas desde O que aconteceu com a sua empresa?, até Por que você resolveu voltar ao mercado de trabalho?, e você é gentilmente forçado a formular uma versão convincente, não um desabafo desesperado do trauma que você possa ter passado.

Aliás, você terá meses para treinar o seu videocurrículo e vai aprender que alguns coaches afinal são legais, não sem antes seguir algum charlatão no LinkedIn.

Então você lembra das instituições renomadas, aqueles videocursos que você deixou de fazer porque teve que resolver os múltiplos pepinos que surgem diariamente em dias normais em uma empresa qualquer e que sobram invariavelmente pra você.

Aí você pensa em voltar ao mercado e cogita que seu ex-chefe vai abrir as portas como se nada tivesse acontecido, e se dá conta de que, no máximo, terá o seu currículo encaminhado ao responsável pela vaga, isso se a empresa recontrata ex-funcionários.

Acredite: existem várias empresas que não recontratam ex, e não adianta implorar ajoelhado que não tem volta, na na ni na não, a empresa se sente traída quando você sai para tocar um projeto próprio, então ela não sente nenhum compromisso com a sua eventual chance de fracasso.

A não ser que você faça parte da turma que joga tênis, golfe, polo ou squash com a diretoria, você não deveria contar com a volta ao mercado de trabalho porque ninguém deveria ter uma crença simplista da realidade. O ‘natural’ é você sair ter dificuldades para retornar.

Ainda mais depois de gastar as energias, o tempo e o dinheiro em algo que deu em nada, vai precisar das baterias recarregadas mais do que nunca, por isso fica evidente que, se você eventualmente empreender, não convém se transformar naquele tipo que milita contra a CLT, porque é para ela que você vai querer voltar depois de, eventualmente, quebrar a cara.

5. “Você está negativo porque quebrou a cara, a minha empresa vai ser um sucesso”

Pode ter certeza que alguém vai dizer (ou já disse) a você que é loucura a ideia de empreender, e você vai rebater, mesmo em pensamento, o argumento racional dos seus amigos que tentam tirar você do transe empreendedor com a promissora esperança de que a sua start up será um unicórnio em 5 ou 10 anos.

Não, não importa quanto tempo, você está completamente segura(o) de que tem os dois pés no chão e não há nenhum sinal de megalomania porque você desenvolveu minimamente a ideia de que não existe mágica.

Porém, você ainda não tem claro que um novo mindset aguarda você, um mindset não solicitado, indesejado e imposto aos poucos pela sua nova realidade, e que vai prevalecer sobre todas as suas ações dali para frente. Um mindset involuntário, de pura e simples salvação, porque você está prestes a depender única e exclusivamente do seu novíssimo CNPJ, e agora só resta uma possibilidade, e esta possibilidade é o negócio prosperar e dar certo.

Ignorar as estatísticas que mostram exatamente o contrário vira questão de honra pessoal.

Mas os números que você nega dizem que você deveria se preparar também para o pior, para levar mais em consideração as previsões pessimistas porque elas influenciam mais do que você prevê através das suas projeções, porque afinal você fez análises de mercado e está convencida(o) de que há potencial, existe um espaço no mercado para o novo e reluzente negócio e tem absoluta certeza de que você está pronta(o) e disposta(o) a encarar os desafios mesmo sem a menor ideia ou garantia do que vem pela frente.

6. “Eu tenho minhas economias e um ótimo planejamento, se tudo der errado eu seguro as pontas por um bom tempo”

Você já pensou em torrar as suas economias num sabático ao redor do mundo, ou numa pós-graduação caríssima no exterior? Pode ser melhor do que arriscar boa parte do seu patrimônio “pagando para ver” se aquela ideia daria certo no mundo real.

Não se engane: nem a empresa mais rica e centrada no usuário do planeta, nem os empreendedores mais ricos do mundo, foram direto ao sucesso sem antes passar anos consecutivos no vermelho (e aqui “no vermelho” significa centenas de milhões de dólares no negativo, por vários anos consecutivos).

Então esteja certa(o) de incluir no seu detalhado planejamento estratégico uma rodada de investimentos, programe isso mesmo sem precisar, é melhor se preparar quando não se precisa ainda, porque depois é provável que você seja abocanhada(o) pelo sistema financeiro antes do previsto.

É animador se o seu planejamento possuir a previsão de que um dia você vai recorrer ao banco, é saudável saber que todo o seu dinheiro pode não ser suficiente para colocar em prática tudo que você planeja ao longo dos anos que estão por vir, e é a garantia de noites de sono se você tiver dinheiro escondido de você mesma(o), dinheiro que não esteja à disposição da empresa sob hipótese alguma, mesmo que num determinado momento a sobrevivência da empresa dependa de um aporte que não se confirmou, mesmo que signifique o fim da empresa, seja firme consigo quando se trata da sua vida em jogo, você vai estar apaixonada(o) pela sua empresa e vai ser muito difícil não arriscar o não-arriscável, principalmente quando a solução de um grande impasse está ao alcance de uma TED que só você poderia realizar.

7. “A minha empresa vai ser ótima e vai crescer muito rápido, você vai ver”

Eu realmente torço para que dê certo.

Tenha em mente que a sua futura empresa vai ter o tamanho que o seu investimento pode atingir, e para ela crescer e ser maior do que este investimento, você tem duas alternativas.

Uma é arranjar um sócio com mais dinheiro – e aí você encontra uma vasta gama de possibilidades e de desafios e de problemas, nesta ordem; e a outra, você recorrer a financiamentos para alavancar o tão almejado crescimento.

Saiba antes que os bancos não serão seus sócios, eles apenas querem receber de volta o dinheiro emprestado com os juros devidos, e que se você optar por esta saída para fazer o bolo crescer é um caminho sem volta dentro de uma vida que dura em média uns 80 anos, e você vai ouvir que não existe empresa que cresça sem dever aos bancos, e o pior é que você vai acreditar, afinal de contas se você não tiver um sócio rico, ou se o sócio rico não for você, você vai ficar refém de operações financeiras para refinanciar o caixa da sua empresa de tempos em tempos, e consequentemente vai ajudar no cumprimento das metas daquele seu gerente do banco que, bem instruído pela inteligência artificial, vai perceber que a sua empresa depende do crédito bancário e vai se aproveitar disso para fazer vendas casadas.

Aquele empréstimo um pouco mais polpudo está disponível mediante um contrato de previdência privada ou de um seguro de vida e, pensando bem, um seguro de vida é muito bem-vindo. Não apenas para você.

Uma coisa importantíssima e essencial é que o seu sócio ou sócia também tenha uma apólice que cubra no mínimo todo o passivo da empresa. Os riscos não devem ser calculados somente no início do negócio, mas todos os dias, horas, minutos.

Cuide também para não se iludir com gurus empreendedores.

Lembre que o startupismo é um discurso pronto, cheio de clichês, e que pode atrapalhar mais do que ajudar. Boa sorte! 🚀

Tiago escreve sobre tecnologia, política e desafios sociais contemporâneos. É editor e redator em Vida Indigital, e redator voluntário na Rede de Produtores de Conteúdo da Politize!, uma ONG dedicada à Educação Política. É jornalista e especialista em Ciências Humanas pela PUCRS. Trabalhou e empreendeu no varejo de livros por mais de 10 anos.
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